16 de novembro de 2010

Epitáfio chantagista



Pela faca que na carne cabe,
minha íntima verdade é crua.
E antes que isso tudo acabe,
ainda saberão da sua.


Ensaio do simples



Eis a graça de sofrer sozinho:
Não se ocupa o coração alheio
nem se incomoda o silêncio vizinho.


Procedência



Quanta poesia barata!
Quanta necessidade...
Quanto tempo ainda temos
até acharem amor de verdade?


Ábaco

Longe da verdade
que o tempo alimentou
Perto da saudade
onde tudo começou.

Diante da distância
navegada pela alma,
os olhos se ocupam
de contar o que sobrou.

Tempo de te ver



Vejo as horas no relógio ao longe.
É quase tempo de ter ver e minha alma ri.
Nada é tão claro que me leve os olhos,
que me lave a vontade de agora.
E é certo como o peso da virtude,
é certeiro como o gosto do pecado.
É viver e morrer no silêncio das horas
que mesmo no relógio ao longe
não me deixam ficar do seu lado.


6 de novembro de 2010

Volúvel sabor



A felicidade é um buraco raso,
coberto de sol,
cavado a mão.

Fica doze horas cheio,
outras doze horas
não.


Poema mudo



A bem da verdade os corações têm pressa.
E quando o pudor silencia a garganta,
as vozes escondem
o que o corpo confessa.


3 de novembro de 2010

E ponto



Que vida é essa que não se assenta?
Que não se acalma, não se contenta?
Que vida é essa em que nos é dado
olhar pra frente e ver o próprio rabo.
Pagar o preço de sete pecados,
e tantos outros mais?
Essa, meu amigo,
é a vida que tens.


A busca



No tempo que sobra antes do delírio.
Na paz que repousa dentro do martírio.
Procuraram em todos os cantos.
Procuraram tanto que não me assusta
se algum dia acabarem achando.


Embaralhado



Os mortos propagam silêncio.
Os vivos propagam o tédio.
O óbvio desafia o senso e eu,
que nada propago,
sou mais um dois
de paus em
pedaços.


Meio-minha meia-lua



Impávida, transcendente, silenciosa
como um corte lento e linear.
Eis que ascendeu ao céu mais alto,
vagarosa e prepotente,
derramando o tom da tarde.
E de nada adiantou.


O engano de Hobbes



O mundo já não é mais meu.
Agora, o nada que sobrou do mundo é o que conforta os lobos.
Os novos guerreiam tetas de carne materna.
Os velhos, engolindo a nata que lhes desce a glote,
apenas se abraçam.