18 de dezembro de 2009

Pequena



Guardo aquele sapatinho,
e tudo quanto mais ficou.

Voa minha passarinha...

Voa que o verão é seu.
E eu também sou.


Como queira



Faz de mim o seu refém, seu cativo,
faz do verbo imperativo,
que a minha carne
vem deserta de outra voz.

Faz de mim a tua foz,
água de força veloz.
Que o meu medo já não vira o dia.

Faz de mim o que queria
pelo tempo que quiser,
que de novo e mais um dia
me farei sua mulher.


14 de dezembro de 2009

Enquanto ele dormia



Defronte o espelho
e com delicadeza irretocável,
suspendeu os seios
conferindo-lhes a composição.
Experimentava ali,
não mais que a própria essência.
Embora reconhecesse no corpo
a presença dos anos,
de alma limpa tornou-se à cama.
E sorriu de olhos fechados,
pois sabia que era amada.


De mãos dadas



Já não há mais tempo contra tudo que derrama
dos olhos negros de afastar o dia.
É tudo um jogo de cartas marcadas,
outra valsa de almas rasgadas.

De toda palidez que atravessa os pelos e os planos,
e arremessa na garganta uma saudade,
plena e vasta,
e saborosa.

Emerge forte e luminosa
na ironia de outra tarde,
repleta de tudo que se evitava,
rompendo o verão com desespero.

Crescendo e se multiplicando,
sem pudor ou compaixão,
no frenesi silencioso do vazio.

E me consome,
desde o medo até o azul
que me revela.

É sólida e imediata, abjeta saudade
que quanto mais relego,
tanto mais se posta em meu encalço.

E me absorve
e me permeia,
exposta e manifesta,
nua, austera.

E me elege
o foco instransponível
do seu dantesco ofício.
Tem lugar em meu lençol.

E assim me deixa ser,
mais uma vez,
parcela seca da saudade
que por certo me compõe.


11 de dezembro de 2009

Sétima vida



Vivo da noite

porque o dia já não me basta.
Vivo do que se fez em breu e,
como que por magia me subtrai o tempo.
Por todas as ruas na madrugada

vivo.

E mesmo que amanheça em mim
todo sol de fevereiro,
fechando os olhos viverei da noite.

A noite densa que me completa.


Soneto da confidência



Antes que me encontre a morte
ou quem sabe a sombra do esquecimento,
deito-lhe essa letra morna, sórdida ao sabor do vento.
Lívida, por tanto tempo abraçada à minha própria sorte.

É que de muito procurar no amor
calor ou coisa que o valha,
o que no peito agora em fogo talha
é a verdade que carrego em mim.

Não houve pela vida
toda, um momento sequer
que no teu lábio de sabor mulher
não me encontrasse o que eu buscava enfim.


Poema pra dizer o quanto



De todo amarelo vivo
que te veste o colo
é que viverei.
E pela fruta que
perfuma a boca,
renunciarei a luz.
Me sei o anjo decaído
da beleza que te envolve.


Antes das seis



Vem ver o dia que desponta agora,
calmo e silencioso.
Mas não debruça na janela, meu amor,
que o sol te inveja
a luz dos olhos.


11 de novembro de 2009

Meu novembro



Já não escrevo mais do amor.
Escrevo do que sobra,
depois que ele
acontece.


Pele



Sinto falta dela toda,
e dos olhos.
Amêndoas
que me fazem rir.
Dela,
tudo é vendaval.

Fisiologia



Ninguém ama,
efetivamente,
com o coração
(contrassenso anatômico).
O amor não é sangue.
O amor,
é tolerância.

Em vão



Quis um poema de amor perfeito:
absoluto engano.
A perfeição não cabe no amor.
E se coubesse,
não dava verso.

Duas horas



A cidade não se apaga nunca.
Apenas permanece, imóvel, intacta,
com jeito de menina triste.
Me revela um silêncio
que ninguém jamais ousou.
Que ninguém suporta sozinho.
A cidade é sozinha.
Sólida e muda,
mergulhada nas luzes, estática.
Intransponível.
E me desaba nos ombros a noite
que desamanhece posta,
quente e irreversível.
A noite da cidade nada quer,
nada entrega.
Apenas se recosta,
muda ao meu lado.
A cidade me conhece.

À procura



Perdi meu jeito, minha prosa,
minha trilha.
Larguei na pressa minha brasa,
minha sina, minha ilha.
Seja como queira,
rasa e sem pudor.
A alegria do poeta
é a medida da dor.

Visceral



A vida para além do amor
não merece ser vivida.
O peito para além da dor
é só carne contraída.

10 de novembro de 2009

Incontroverso (ou Da verdade que me tem)



Sou todo poesia,
tudo que me fez o tempo.
Vem ver o que te fiz aqui,
nas minhas mãos
de percorrer estrelas.
Vem ver o que é teu
e mora em mim.
Demora não.


9 de novembro de 2009

Boa noite amigo



Escrevo-lhe por nada.
Aliás, mentira minha...

Escrevo porque sinto - hoje como sempre,
um certo sentimento de desarranjo.
Em verdade, uma saudade de ter com meus amigos,
de vê-los e abraçá-los com verdadeiro afeto e alegria,
e roubar-lhes, como de praxe,
tudo aquilo que me alimenta a alma.

Embora saiba que também o sabes,
tenho por bem deitar novas linhas para dizer
do que tantas outras vezes foi dito sem palavras,
apenas com olhares, sorrisos,
gargalhadas e, por eventualidade,
algumas lágrimas.

É que hoje, mais uma vez
das incontáveis que vieram e virão,
sinto no peito o vácuo do tempo de solidão.
Não porque tenham meus amigos me esquecido,
ou porque se esmoreçam
na bruma da memória.

De fato, me sei um eterno carente de almas de luz.
Tenho a sólida certeza que,
ainda que além do alcance dos meus braços,
estão todos eles em roda e festa
no meu peito e na memória.

E apesar do silêncio,
saibam todos os meus amigos
que os carrego comigo, sempre,
com a candura e leveza
que me emprestam e que,
por necessidade,
faço de morada.

Amo-os todos,
com afinco e zelo.

3 de novembro de 2009

Diagrama



Deixo minhas horas nos teus sorrisos,
tantos e tão vivos.
Todos meus em segredo.
Traço meus planos indiscretos,
mal armados.
Rabiscos e cálculos,
tudo que sei vão.
Lanço-me ao mar como canoa
pálida e vigorosa.
Sóbrio de amor.


Tom sobre tom



De toda cor fez-se o matiz
que toca os lábios em fervura,
dança, rodopia e pula,
me amando por um triz.

E de sabor o verso veste,
tanto sal e pecado,
que mesmo o mais amado,
chora a solidão agreste.

Bem como outro novo tempo,
nas esquinas de uma outra vida,
cálido e vagaroso vento.

Bem como meu sutil tormento,
nas pétalas das margaridas,
tímido, amarelo e lento.

22 de setembro de 2009

Metáforas



Te amo como se amam as flores,
imóveis no breu da terra.

Como se amam firmamento e mar,
na fúria da tempestade.

Como se o meu coração revolto
não soubesse fazer mais nada.

É assim que te amo:
sóbrio, vasto.
Literal.


5 de agosto de 2009

Por inteiro



Nos dias de agosto, nevoeiro.
Bruma calma de condensar a voz;
frações de pouco tom.

Enquanto o peito se recolhe em nó, ao pé da cama,
velejam cores no carmim.
Enquanto o corpo se revolve só, e apenas ama.

Enquanto entrego mais de mim.

23 de julho de 2009

Feito à mão



Do azul silencioso
que me tira o sono e o jeito,
sinto falta ou saudade
- alvoroço no meu peito.

6 de julho de 2009

Mandamento



Bom é viver agora
tudo que morrerá em letra mais adiante.
Bom é saber que o tempo
que enterra as mágoas,
afoga lento nos ventos de despentear.
Navega mudo em qualquer lugar.
Bom é viver agora,
tudo que ventará.

16 de abril de 2009

Chave mestra



O que jaz a cada segundo,
é o que brota em cada vontade.
Florescer o amor profundo,
é viver e morrer de saudade.