30 de abril de 2007

Cautela dialético-portátil

O pensamento que nos falta a muitos e que teoricamente poderia nos tornar a vida melhor, é aquele que suscita que o que estamos prestes a fazer pode não ser uma boa idéia.
A importância desse pensamento está no fato de ser ele, quando ausente, o justificador e causa da oração que imediatamente sobrevirá, e que nos permite negar a inércia e crescer; qual seja: Foda-se!

Bem lembrado

A diferença entre o poeta e o bardo de cabaré? Realmente não sei. Não sou poeta.

Encontro

Pela manhã, ainda enrolado na toalha, ele fazia a barba e, num momento único e semi-eterno, fitou seus próprios olhos no espelho, em meio à espuma cor de neve. E se vendo ele notou que não era feio como pensava, e que talvez fosse um homem bom, e que seus medos eram menores no espelho e os cabelos menos brancos. Ele lembrou como sorrir e foi um pouco feliz.
Na manhã seguinte se barbeou de novo.

29 de abril de 2007

"Post-it!" post mortem

“Quero as canções dramáticas. Quero os momentos de tristeza e saudade que caem das tardes meio-vermelhas, das noites sem sono, sem dona, sem fim. Eu abraço as cores mortas e gosto dos poemas abertos, rasgados, sujos, porque mostram o contrapé cru das essências. Mas não fico sem os bem piegas de amor eterno, com musas e métricas, sonetos de paixão boba de trovadores anacrônicos: os infantis mesmo. Eu quero chorar um pouco mais. Ou quem sabe chorar menos mas chorar junto. Aparto tudo que me escorre do peito e que fosse, em outro tempo, partes lustradas de um outro colo de mulher. Lembro dela e delas, como se tudo houvesse caído na aba do meu chapéu. Ainda assim lembro dos cabelos curtos. Ou longos... Olhos de qualquer cor, e o sorrisinho no canto molhado da boca.”
Apenas apontamentos mentais de uma outra vida. Notas a tinta num bilhetinho borrado, esquecido no bolso esquerdo do meu paletó curto e gris, da última vez em que morri.

Pirraça da beleza rala

Hoje não quero escrever. Só escrevo se for pra falar de coisas alegres, coisas que cheiram a sábado de manhãzinha. Só se for pra falar de como eu e o pai fazíamos nossas próprias pipas, e como elas nunca voavam: a gente gostava mesmo era do sorvete no final. Só escrevo se puder lembrar das horas de estrada pra chegar na roça. De como o café cheirava a casa toda de manhã, e havia orvalho em tudo que era folhinha; e como escorria felicidade de tudo. Não vou pôr linha alguma, se não for pra dizer das tarde laranjo-vermelhas fotográficas, ou das manhãs frias em que o ar ainda gela o peito e a ponta do nariz da gente; de como é bom acordar antes do relógio pra dormir mais um pouquinho, de como o olhar daquela mulher é sempre mais brilhante e lisérgico que os olhares das outras que não amamos. Ainda. Se não for assim não vou. Porque hoje... Hoje não quero escrever.

Megalomania de filho

Aqui, como em quase toda casa, mora um super-herói. Ele já fez todas as maiores façanhas de todos os desenhos e quadrinhos que eu conheço. Já prendeu muitos vilões da cara fechada e salvou o mundo do domínio intergaláctico; já evitou terremotos e catástrofes enormes e ainda por cima, sem tirar os óculos, já salvou milhares de mocinhas indefesas das garras de todos os dragões e malfeitores. Ver, eu não vi não.Mas eu estava lá quando ele chorou, e espero que na minha vez de ser o herói, meu filho esteja lá quando eu chorar.

27 de abril de 2007

Se é assim...

Todo dia tem alguma linha um pouco cinza, nem que seja por cinco segundos. Um pesinho de não-sei-o-que que, quase sempre no meio da tarde, espreguiça na alma, folgado, tranqüilo. E é assim que o ar quente da tarde, devagarzinho enche o peito da gente e traz um certo sorriso. Sorriso puro mesmo, sem nuance, sem meio termo, sem amarelo. Um sorriso de canto de boca, sorriso de quem não está, sorriso criança. Claro que todos esses sorrisos não poderiam caber no espírito do homem.O espírito só leva mesmo os que quer, o resto é por nossa conta.E eles, os sorrisos, vão ficar assim mesmo, andando dentro da tarde. E foram e serão tantos e tão diferentes uns dos outros, que até farão com que a tarde pareça um pouquinho triste, farta desses sorrisos inconvenientes e espaçosos que não tomam jeito.

Poeminho do sempre-perdão

Você pode acabar comigo.
Pode cuspir pedras na palma da minha mão.
Faz o que você quiser,
mas depois não venha me pedir pra te ofender,
pra te virar o rosto. Não faço um esforço sequer pra te odiar,
nem vou encher a sua nuca de palavras e planetas. Vai ficar sozinha sim,
e levando na mochila jeans todas as toneladas
que nós colhemos na última garoa.
Vai seguir a vida assim, longe,
e o seu castigo vai ser sentir na espinha o começo de julho.
O mesmo julho em que a gente
catava letras e esquentava os pés no cobertor marrom.
Mas quando você quiser,
pode vir passear
no seu canteiro de borboletas que eu, sorrindo,
rego todas as noites.

26 de abril de 2007

Estagnasapiens

Quero mais é que pegue fogo todo esse senso estético besta e virgem.
Tem que haver alguma outa noção que preste mais que isso. Até os macacos tem um referencial e conceito mais rebuscados: será no mínimo engraçado que precisemos de mais dois polegares opositores pra dar um jeito nessa pobreza estrutural do espírito - e ajdascências.

Síntese

Andar pela rua é facil, quero ver é enfrentar o mar cinza-claro. Não há beleza nenhuma em se conquistar todo um mundo de coisas a conquistar; de interrogações disfarçadas, fantasiadas: as flores é que são pesadas. E eu lá sei alguma coisa de flores? Passei todo um quase-quarto de vida mirando o que não me coube na linha do nariz. Faltou tempo pra saber do que elas são feitas, mas pela textura acho que é chumbo. Tem também o céu de junho daquelas fotografias velhas. Ainda penso em, depois de escrver um ensaio sobre as coisas que ainda não sei, conhecer melhor essas pequenas fábricas de leveza, que não ficam desbotadas com o virar da ampulheta. Ainda dá tempo. Vai ser a conta de fazer isso e ouvir um solo de sax e pronto: Vivi!

Pobre Diabo

Desde os tempos mais remotos, obscuros, caóticos e revoltos (ou qualquer outro adjetivo que defina o contexto do Antigo Testamento de forma mais fiel), o homem teme a figura do diabo. Teme porque sabe, ou sente, ainda que apenas como sopro metafísico, da incógnita revestida de mal que é a figura temida. O que não sabe é que o diabo não existe. Não fora do próprio homem. Todo ser traz consigo um quê de diabo, de tinhoso, nem que ínfimo, miúdo, escondido debaixo do degrau mais baixo do porão da alma. Enfim, não ouso aqui discorrer acerca desses assunrtos transcendentais e vagos que, pelo menos a priori, não me tornarão um cara melhor. Fato é que o próprio diabo já deve estar farto de toda essa perseguição desmesurada e frenetismo que, diga-se de passagem, já experimenta há um tempo considerável. Toda essa tietagem. E digo mais: E se o caboclo cisma de virar anjo de novo? Aí Deus tá perdido... O cosmo só funciona com equilíbrio meu povo. Por isso (e que aqui não me tomem por neo-malthusiano, micro-facista de gabinete ou qualquer coisa do tipo) é realmente necessário que o gestor lá de baixo também possa fazer o seu trabalho. Deixemos as coisas do "lado-de-lá" como estão. Essa concorrência bipolar extra-dimensional de captação e armazenamento de matéria espiritual, não é de hoje mesmo. E além do mais, ouvi dizer que sempre funcionou muito bem, afora algumas divergências de layout e recrutamento de RH é claro.

25 de abril de 2007

Micro-consideração interdisciplinar

Amar é um verbo que não "transita". Tudo o que é intransitivo, inflexionável, pende ao defeito de essência e mais cedo ou mais tarde trinca...
Guardadas é claro as devidas ressalvas gramaticais e termo-físicas.

Duas frases "a la carte".

Foda-se a peculiaridade alheia. A relativização de conceitos e valores nunca relativiza mais que as próprias frustrações verdes e bolorentas dos que, pretensiosamente, se dizem relativamente peculiares. Foda-se também o nexo e o compromisso morfossintático, ético-textual e didático: hoje minha palavra não vale nada!

Semi-conspiração amorosa.

Sei não. Pode parecer que uma certa leveza conspiratória esteja permeando essas linhas, mas não posso me furtar a derramar questionamentos e inconformismo com o regime vigente. É manifesto meu desacordo. Incentivo de maneira veemente a quebra, o rompimento, o golpe. É realmente necesário que haja libertação desse regime estanque. Que ele entorte e caia! Não acho que devamos engolir assim tão fácil essa ditadura do coração, que não nos deixa caminhar pro outro lado. Vamos fazer política emocional de esquerda, afinal, queremos a liberdade de não amar ninguém, e amar a todos, como e quando quisermos; não a mando desse músculo totalitário e tirano, que não nos conhece e teima em ser genioso. Viva a liberdade! Abaixo o despotismo romântico!

24 de abril de 2007

Versinho avulso de credibilidade duvidosa e quase nenhum gabarito.

Uma noite eu sonhei
Com uma abelha no curral
Falei com a mãe e ela disse:
"Abelha num dá leite menino animal!"

Era outra vez...

Não que não me importe com o que eventualmente pensem a respeito do que fui e fiz, enquanto a luz me transpassou os olhos. Ou que não me toquem o coração as canções e suspiros de honra e glória dos grandes e bravos que, ao contrário do covarde que fui, cruzaram mares, ergueram estandartes, avermelharam espadas e amaram suas mulheres, ainda que ao queimar do sol seguinte não fossem mais suas. Eu, como covarde que fui, não me meti a guerras e glórias. Não busquei tesouros e coroas, ou fui senhor de terras e cavalos e homens. Nem mesmo sei se fui senhor meu próprio. Não assentei em meu nome, ou de minha família, legados de orgulho e encanto, e nem os mais roucos e febris bardos hão de entoar baladas para o alimentar de minha memória. De fato eu não amei tantas e tão belas mulheres, que suas doçuras consigam ecoar em meus ossos pelos séculos dos séculos, perfumando-me o sangue. Não matei dragões, nem mesmo os de uma só cabeça, não salvei princesas ou enfrentei quimeras. Não, eu não pude ser o herói das glórias e coroas, das riquezas e das terras e cavalos e homens e mulheres. Mas posso, com a franqueza e firmeza das quais nunca nenhum herói dispôs, dizer sem temor ou receio que, mesmo que todos eles se reúnam em escudos e armas e guerras, sobre seus cavalos já cansados do peso da honra, ainda assim, jamais poderão ser o covarde que fui. Porque vidas torpes e cegas a alimentar batalhas e glórias e canções de vitória que a outros satisfaçam, não passarão jamais de vidas torpes e cegas que são. Apenas vidas com fome de si. Vidas ávidas e ressecadas, plenas de vazio. Ao passo que eu, em toda gota de vida que me coube, prestei-me em minha covardia não a emocionar olhos alheios que dela nada aproveitam, mas a retirar do espírito qualquer sopro de fortaleza e beleza, para que assim pudesse ser a despeito de tudo o que rezam os contos de fadas, o maior e melhor covarde possível. O covarde de esconderijos e negações, de desonras e vergonhas, o verdadeiro contraponto dos mais puros valores de todos os reinos muito, muito distantes. Mas ainda assim, nenhum herói, de glórias e mulheres foi; é; será, o covarde que fui.

Quixotesco

Dirão do homem, num tempo em que livros e carnavais não mais reflitam a expressão da alma, que foi um animal que rondava planícies devorando carne e essência de outros comuns, e que dele nada resta, senão ossos e talvez memória. Sim, serão outros diferentes de nós que o dirão. Não homens, ou mulheres ou velhos. Não. Os que dirão serão aqueles que, após a queda do bicho sapiens, tomaram as rédeas da Esfera Azul. Mesmo do que não era matéria. E dirão mais... O novo bicho, a despeito do que pensavam os pequenos homens, se imporá e reinará sobre tudo que respira ou tenta, e sobre as pedras e pó, igrejas e açudes e sertões e mares de qualquer coisa, já que pra ser mar não precisa ser água, e pra ser rei não precisa ser olhos e carne e pele e espada. Talvez se a esse tempo houver sorte e houver homem que sobre suas pernas se agüente, possam conter tamanha fúria. Só assim, haverá amanhã. Será preciso que aquele que se diz capaz, se o houver, se atenha ao por do sol. Não um, mas dois ou três e, com o coração no bolso e a alma na mão, se faça nobre, se faça cavaleiro sem temor, pois nesse tempo não haverá exército ou criança que não se ajoelhe ante os enormes déspotas novos: os moinhos de vento. E eles sem dúvida, maquiavelicamente, apagarão as luzes.

22 de abril de 2007

Deixa vir o dèja vu

Em alguns momentos, me surpreendo questionando a veracidade do próprio momento, ou mesmo, do que fora imediatamente anterior a ele experimentado. Como se cheiro e som e luz e até o tato não fossem suficientes provas do real. São, mas perdem a inexorabilidade, a credibilidade que por natureza lhes falta, mas que somos forçados – ou assim preferimos – a atribuir-lhes, para fazer uma melhor leitura do mundo. Leitura de viseira, tolhida, mas ainda assim leitura Não que esse fenomenozinho cotidiano meta medo ou incômodo, mas pelo que noto, tem se tornado sistematicamente um lapso de tempo considerável, o que me propõe forçosamente outra dúvida acerca da continuidade linear dos acontecimentos perceptíveis. Começo a desconfiar que o tempo é uma valoração carente de referencial, solta, que transcorre não em uma via apenas, mas de forma circular, como que preso à ponta de um barbante nas mãos de uma criança que, fatalmente, irá gira-lo. A idéia de one way out por onde supostamente o tempo escorreria, já não cabe quieta como antes. Já não desce mais. Pode ser que incorra em asneiras cavalares aos olhos daqueles que detêm o real saber das coisas e dos homens, mas não acredito que a bolota cinzenta (que nem é tão cinzenta assim) pensante nossa, seja capaz de arquivar elementos tão diversos e ínfimos, que mesmo aos olhos de um anjo passariam despercebidos, para depois, sorrateiramente jogá-los na nossa frente, figurativamente, pelo curto prazer de nos ver atônitos. Não nos trairíamos assim. Portanto só nos restaria a hipótese de que o tempo, vetor torto de tudo que conhecemos de bombordo a estibordo, realmente está com o rabo preso entre os próprios dentes. E você me perguntará: Porque então, já que o tempo corre em círculos, nós envelhecemos? Morremos? Ora, não sejamos inocentes. A carcaça faz muito pouco do que chamamos homem. E aos céticos e empiristas, digo-lhes que entreguem o barbante a um velho e vejam o que fará (obviamente depois de esboçar em meios às rugas, um sorriso de coloração incontestavelmente infantil). Fatalmente.

Explanação, esmiuçamento e inteligibilidade

Caros amigos, inimigos, amores, desafetos, parceiros, fiéis escudeiros e quaisquer outros que se enquadrem no gênero leitores: apresento-lhes a USINA. Serei, no que for possível, claro e sintético – talvez menos claro que sintético – no intento de dizer que a USINA – Projeto Paralelo consiste em um espaço discursivo-virtual reservado à exposição, discussão, debate, especulação e afins, acerca de qualquer tema, idéia, pressuposto, teoria, teorema, axioma, insight, dogma, doutrina, especiarias mentais, abstrações cognitivas, manifestações do córtex cerebral (humano ou não), expressões sofismáticas e congêneres que possam, porventura, manifestar existência por esse mundo de meu Deus afora e venham, eventualmente a tocar, tangenciar, rondar, afagar, perturbar, afrontar, e mesmo aterrorizar a humilde, ínfima e muitas vezes contra-consensual mini-mente dessa pessoa que vos escreve. Ainda que invoque alguma densidade e seriedade e as procure no intelecto, no anseio de conceber linhas com algum nexo e realidade (ainda que crua e despida de brilhos e açúcares), não afasto o humor. Mesmo que o fizesse, seria vã ação. O humor impera. É ele quem concebe e desconcebe, imputando ao que é racional e razoável algumas gotas de loucura, através das quais o homem pode produzir um juízo sobre a pseudo-realidade que o cerca sem que se lhe recaia a Maldição das Coisas Tediosas Muito Sérias. Aqui esparramarei algumas palavras por algum tempo, dividirei algumas idéias, alguns sorrisos e imagens mentais (ou visuais, afora o pleonasmo aparente), algumas poesias, bem como algumas lágrimas. E que sejam poucas essas últimas, não porque carregam o peso de algo maior e limpo de mundo, mas simplesmente por estarem no segundo estado da matéria, o que dificulta que as guardemos para que mais tarde, quando chegar a doçura da velhice, possamos comê-las e chorar de novo. E quem sabe na próxima réstia de sol, haverá luz para que sejamos mais uma vez crianças. E assim fiquemos... ERRATA: Talvez menos sintético também.