24 de abril de 2007

Era outra vez...

Não que não me importe com o que eventualmente pensem a respeito do que fui e fiz, enquanto a luz me transpassou os olhos. Ou que não me toquem o coração as canções e suspiros de honra e glória dos grandes e bravos que, ao contrário do covarde que fui, cruzaram mares, ergueram estandartes, avermelharam espadas e amaram suas mulheres, ainda que ao queimar do sol seguinte não fossem mais suas. Eu, como covarde que fui, não me meti a guerras e glórias. Não busquei tesouros e coroas, ou fui senhor de terras e cavalos e homens. Nem mesmo sei se fui senhor meu próprio. Não assentei em meu nome, ou de minha família, legados de orgulho e encanto, e nem os mais roucos e febris bardos hão de entoar baladas para o alimentar de minha memória. De fato eu não amei tantas e tão belas mulheres, que suas doçuras consigam ecoar em meus ossos pelos séculos dos séculos, perfumando-me o sangue. Não matei dragões, nem mesmo os de uma só cabeça, não salvei princesas ou enfrentei quimeras. Não, eu não pude ser o herói das glórias e coroas, das riquezas e das terras e cavalos e homens e mulheres. Mas posso, com a franqueza e firmeza das quais nunca nenhum herói dispôs, dizer sem temor ou receio que, mesmo que todos eles se reúnam em escudos e armas e guerras, sobre seus cavalos já cansados do peso da honra, ainda assim, jamais poderão ser o covarde que fui. Porque vidas torpes e cegas a alimentar batalhas e glórias e canções de vitória que a outros satisfaçam, não passarão jamais de vidas torpes e cegas que são. Apenas vidas com fome de si. Vidas ávidas e ressecadas, plenas de vazio. Ao passo que eu, em toda gota de vida que me coube, prestei-me em minha covardia não a emocionar olhos alheios que dela nada aproveitam, mas a retirar do espírito qualquer sopro de fortaleza e beleza, para que assim pudesse ser a despeito de tudo o que rezam os contos de fadas, o maior e melhor covarde possível. O covarde de esconderijos e negações, de desonras e vergonhas, o verdadeiro contraponto dos mais puros valores de todos os reinos muito, muito distantes. Mas ainda assim, nenhum herói, de glórias e mulheres foi; é; será, o covarde que fui.

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