28 de dezembro de 2007

Porta-retrato



Como quando não se tem alguém
e não se quer sentir a falta,
ou lembrar o desespero
de querer aflito
a calmaria de ser junto;

Como esse cigarro que eu fumo calado,
na ambição irremediável
de querer alguém do lado,
pra dividir nenhuma palavra
e misturar um sorriso no vazio mudo;

Como se nao fosse frio demais
o que o olho derrama
em fogo de conforto,
que ainda fresco na pele
esvazia o ar;

É como se mais uma vez,
tropeçasse na falta bruta que faz
alguém do meu lado,
dividindo o silêncio e a aridez
desse cigarro que eu fumo calado.


25 de dezembro de 2007

Jardim de litoral



De passagem pelo sol,
vai sem porto nem farol.
Embrulhado na mochila
um cigarro e um lençol.

O sorriso ainda largo,
espalhado viajante.
Alma farta, claridade,
esboço (navio mercante).

Feito a onda violenta
que me solda junto ao cais,
seja a pétala que molda
a verdade que te traz.


18 de dezembro de 2007

A duas quadras



Se fui farto da franqueza
Que outrora procurei,
Firmo franco na clareza
Fraternal que fracassei.

Se me sou no fruto fraco
Do que pude e poderei,
Serei outro no buraco
Fundo e frio que cavei.


Poesia de base



Ando a procurar um certo ponto passageiro
entre o claro e o escuro.
Um certo ponto cinza
calibrado de sussuros.

Caminhei pelos acasos
encerrados nas equinas,
esquinas de qualquer lugar,
de qualquer eu.

E floresceram margaridas isoladas
nas solas dos meus pés,
os pés que pisaram o vidro
e o vendaval de desacertos.

E mesmo no transposto
percurso amadurecido
desceram círculos contornados
na miragem que eu também não li.

Não me fugirá mais esse ponto
que quanto mais procuro e quero ponto,
tanto mais me engana
nessa fábula linear.


17 de dezembro de 2007

Confessionário



Não escrevo pras coisas que vejo
ou pras que me cegam.
Pelas que me escondem,
nem pras que revelam.

Escrevo sim, pras coisas novas.
Novas em cheiro e sabor.
Claras na forma
e nuas na cor.

Não me atreveria a rabiscar
o tom das coisas reais,
nem a roubar-lhes a palavra,
o verbo cru.

Seria pretensão me fingir poeta,
me querer ladrão.
Ser anfitrião
dessa letra quieta.


16 de dezembro de 2007

Álibi



Faço caso
e crio clima.
Faço letra,
prosa e rima.

Minha obra
não é prima,
minha sobra
fica acima.

Pra quem acha que eu nao ia,
mostro o peito e fecho os olhos.
Faço tipo
e poesia.


Spotlight



Vou levantar numa manhã qualquer
e acalmar as minhas órbitas.
E preparar as minhas mãos
e me entornar no seu acaso.

Vou contornar as linhas claras
que te escorrerm do pescoço.
Percorrer com calma
os diamantes revelados.

Vou brincar nos seus cabelos longos,
nos braços delicados.
Olhos fortes,
Mediterrâneo.

A claridade que te cobre
me atravessará os olhos,
e como um bobo desastrado,
dou meu riso e meu pecado.


Novo ontem



Servi tua comida,
servi à tua vida,
cheguei a duvidar
que fechasse a ferida.

Fiz poemas e alguns planos,
fui vigário e fui cigano.
Fui pássaro sozinho
e fiz sacro o nosso engano.

Fui casa e vilarejo,
fui ponte e passagem
estendido nessa margem
rodeada do seu beijo.

Fui o que fiz, pude o que quis.
Mirado no tempo, no cheiro,
nos olhos negros
e quadris.


Nota plana



Em dias que não se sabe ao certo o ponto da verdade,
é melhor se encostar em qualquer parede,
qualquer paragem.
Apagar da vista e do peito qualquer espaço de lembrança,
qualquer presságio.
As ilhas são as mesmas e o medo observa tudo.
E antes que anoiteça há sempre um ar corrido que não se contenta
em agitar os cabelos e secar os olhos.
É mais que uma cor qualquer.
Esquenta a saudade que o sol empurra nessa nostalgia carinhosa
que aperta com força o peito cansado.
Não que esse dia se extenda a mais que a sua própria natureza fraca de dia certeiro,
mas claramente ele assina na alma
a passagem densa de um aperto comedido.

E outros virão.


Linhas que deitei pra ti



Minha sorte envegonhada,
foste a rosa entre os cravos,
foste a pétala na chuva
e o belo entre os bravos.

Seja o esforço dos acordes
a cantar o nosso fim,
seja a pele e a espada,
seja rei ou arlequim.

Nem o frio glacial
nem o tempo sorrateiro
vão lavar-me da memória
o calor do amor primeiro.

És o trigo e a primavera,
és ar frio da manhã,
a saída que prospera.
És o seio e a maçã.


14 de dezembro de 2007

Veritas veritas parit



- És o mais belo, és as luz por si só. Dela vieste e nela te prospera.
És parte da minha mais pura luz.

- Mas sois tu quem joga os dados. Quem dá as cartas.

- Guardai o que digo ó Luz:
Não te levanta contra mim, tu ainda és parte do meu jogo.

- Pois então não haverás de incomodar-te caso eu blefe ...


11 de dezembro de 2007

Calendário



Por sobre as pedras e a chuva
posso ver aquele rio.
E nas margens rodeadas, girassóis.
Nos meus braços e cabelos, seus lençóis.

É manhã de pouco sol,
brisa e silêncio.
E no alto meio-dia, fome.
Se sou eu quem lhe faz falta, tome.

É tarde alaranjada
fechando aquele outubro.
Pra que o dia não se engane, lua.
Pra acalmar a minha carne, a sua.

Anoiteceu querida.
Agora é tempo de esquentar as mãos,
enganar o inverno
e falar de amor.


Pré potência



Esse verso é descabido,
é nulo e vazio,
trincado.
É rabisco.

Na roupa é nu,
no gosto é cru.
É conversa fiada,
falso azul.

Esqueça esse verso
do qual eu me empresto.
Agora ele é só
parte do meu resto.


10 de dezembro de 2007

Conjecturas



E se quiser amar, me ame;
se quiser chorar, me chore;
e se quiser mais, reclame;
se estiver dodói, melhore.

E se quiser muito, faça;
se estiver com fome, massa;
e se for domingo, praça;
se for só saudade, abraça.

E se for avó, bença;
se for desespero, crença;
e se for paixão, beijo;
e se for preciso, pensa.

Se te pedem tudo, nega;
se te dão de tudo, cega;
e se for a flor, rega;
se sempre sonhou, pega.

Se for bailarina, roda;
se passar da conta, poda;
se você quiser, quero;
e se já passou, moda.

E se forem eles, bem;
se assim não for, amém;
e se for vontade, tem;
e se for você, meu bem.

Se a gente brincasse,
e eu te esperasse,
e feito ciranda
o tempo passasse;

Nessa brincadeira eu te tocaria,
sem te assustar,
pra te congelar
antes que acabasse.


Lenta



Todo pouco de vento que sopra na pele
carrega consigo alguma coisa de dentro.
De dentro da pele.
De dentro do peito.

Leva pra longe um pedaço, uma parcela,
Um outro sopro.
Tem qualquer coisa de viajeiro,
de mercador.

E espalha noutros cantos
a essência que recolhe.
Deixa cair em outras terras,
outros ventos.

É um propósito transparente
que gela a superfície calma
dos ombros.
Transporta.

Pra que se ache,
pra que se deixe.
Pra que faça morada,
nessas ou em outras mãos.


Assimetria



Mensurada e comedida
sobe a palavra goela acima,
e arranha e grita e pulsa.
E palavreia.

Começa onde freia,
onde samba e sapateia.
Passa, pesa, ajoelha
e ainda arde palavra.

Firma as asas dos meus aviões,
descabida, despedida.
Faz que vai e depois fica,
Fecha os olhos e acredita.

Sabe palavra,
sobe palavra.
Seja o passo
ou a navalha.

Fecha o céu,
deixa o seu.
És mais ela
e menos eu.


8 de dezembro de 2007

A minha verdade



Seria a beleza dos cantos de guerra,
dos contos de Tróia,
de outro sabor.

Seria a pureza e virtude dos novos,
que vão lado a lado,
que bebem a cor.

E se fomos um dia
sal e rochedo,
luz e pecado,
ódio e amor.

Foi pela certeza,
pela poesia,
de um dia voltarmos
a ser o que for.


Poema de número incerto



Tantas mais sejam as pedras,
mais serão as forças do coração alegre
a percorrer calado
a solidão do amor-verdade.

E mesmo a madeira
quente e ressonante
ouvirá o sopro dos meus verões.

Virá junho;
virá sonho,
virei aqui falar de tudo.

Ou não virei.
Ou não virá.

Conservo ainda a distância baixa e colorida,
a firmeza sonora
e um pouco de mim.


Desventura



Eu quero a infantilidade pulando na sala.
As gotas de carinho bem branco
me arrancando outras.

Quero a beleza de te dormir
e me acordar cansado.
De te preocupar, de fazer errado.

Eu quero viver o grande amor,
perder o grande amor,
e me achar, e me chorar e me sorrir
no colo do reencontro.

Eu quero silêncio e quero vapor.
Andar sufocado do leve sabor,
e saber que é facil colher o doce
dessa terra que é um pouco minha.

Quero estar perdido e tropeçar na insegurança,
abraçar o tempo, encontrar saída.
E cançar as mãos e suar o rosto.
Viver homem e morrer menino.


Poesia primeira



Se eu chorar, não fique triste.
Se ficar,
enxuga os olhos,
resiste.

Toda tristeza tem uma fresta de alegria,
toda alegria um pouco de dor,
toda dor,
um pouco de amor.

Pode ser que você chore,
que eu demore pra sair.
Mas quando aquela gota lhe cair do rosto ao colo,
não seja mágoa nem saudade.

Lembra como foi suave aquela dor que nos doeu,
deixa escorregar um sorriso medroso.
Deixa ser assim.

E vai ser sempre bonita e nossa aquela branca dor,
aquela calçada e a flor.
A pequena-grande história:
aquele seu e meu amor.


21 de novembro de 2007

Nitidez, nuances e bicicletas



O menino era novo ainda.
Descobria o mundo a cada passo, cada queda. O seu mundo.
Um mundo talvez grande às proporções da época (também suas).
Nos arranhões e machucados foi diminuindo as grandezas,
equiparando, esgotando hipóteses.
Inesgotável.

Tomou sorvete, soltou papagaio, quebrou dente, braço e espelho.
Teve azar e sorte; se apaixonou na escolinha.
Foi triste e feliz.

E cresceu como cresce todo menino.
Foi herói, foi bicho, foi medroso.
Foi Viramundo de Sabino.
Caiu algumas vezes. Várias vezes.
Curou os arranhões e machucados das mãos e joelhos,
e descobriu que eles doem menos que os arranhões da alma.
Machucou a alma alheia.
E a sua.

Brigou,
ouviu,
esperou,
tentou,
se desculpou,
se arrependeu,
se orgulhou.

Aprendeu que todo menino cresce;
cresce pra ser homem.
Cresceu homem.
E fez a barba,
descobriu a vida,
aproveitou a vida,
fez escola e trabalho.
Desconfiou da vida.

Ganhou amigos,
pegou estrada,
tomou chuva,
tomou cerveja,
perdeu amigos...

Hoje, o menino é esse.
Esse que toma menos sorvete que deveria;
que não solta mais papagaio (mas gostaria);
Percebeu que,
ainda homem, sente medo.
Ainda cai, se levanta, chora e ri.

E assim Viramundo,
assim o mundo virou.

Mas o menino que se sabe homem,
sustenta vivo no coração o velho sorriso fácil.
O sorriso que as nuvens velozes
não conseguiram carregar pra longe,
como fizeram
com os dentes-de-leite.


18 de novembro de 2007

À vontade



Ela vem,
fica um pouco mais...
me joga um daqueles sorrisos doces, brancos.
(daqueles que sobram quando a timidez vem)

E eu assim,
vencido,
deixo passar o tempo lento.

Afinal,
o amor já me levou.


Poesia rasteira



Vou e volto,
eu e só.

Vou,
volto,
nó.

Paro, fico.
Sou e não quero mais.

Vou, verso,
e fim.


Protesto rascunho



E ainda que acabem com as flores,
que cubram de pedras minhas dores;

Ainda que possam apagar
as preces soltas
e os restos de mar.

Ainda assim,
não serei tinta a contra-gosto.

Serei antes,
letrista anônimo no amadorismo cru,
que consensualista métrico de prateleira.


Outras constantes



A saudade é um caso longo.
É uma plataforma grande e vazia num domingo de sol fraco;
e o trem não vem.
E não dói pela intensidade com que atravessa o peito,
dói pela sutileza com que se esparrama.
É a incerteza da alma, a inquietude.
Petrifica o foco e emudece a pele.

Então,
quando se sente a falta e o peito encolhe,
é aí que se revela a falha do humano.
Não porque resvala em essências estanques ou falhas de caráter.
Não.
O defeito do homem é a ausência.
É a parte intocável que mais lhe trai e conforta
(o melhor defeito);
sabe que é ela a expressão do apreço e da dependência determinada.

A saudade é o que se pretende agora,
o que imprime o anseio.
É a busca antecipada do que a promessa pôs à frente,
longe da mão, longe do chão, longe.

Mas é assim que se conservam amores,
e imagens do que pôde e pode ser a potência da felicidade.
É dela, saudade, que brota e cresce o valor.
Mas esse é outro caso,
igualmente longo.


Idílio



Quando eu cair menino amor, não quero que deite ao meu lado.
Quero um sorriso, daqueles que enchem a alma.
Quero que chova pra que eu veja as gotas caírem da ponta do seu nariz.
Quero a terra nos dedos, o branco nos cabelos.
Sal e suor.

E no fim do dia eu me levanto homem,
e poderei sorrir.

Mas vou estender a mão,
quando você e a chuva caírem
da ponta do meu nariz.


Parênteses



É passo seco na noite clara,
o fato da desmesura.

É calor e frio no sopro curto;
vento e verão.

Tinta que seca logo
e logo seca se desfaz.

Pranto que rola calmo;
varanda, porto e cais.

É sempre um sorriso largo,
tanto,
e um pouco mais.


12 de novembro de 2007

Ensaio



À conta do coração magro
que passeava despreocupado,
comprou uma asa velha
e a outra, de emprestado.

E na chuva escura do fim de outono
passaram dias e dias calados,
pra que fosse no virar do sol
mais um anjo tímido, envergonhado.


24 de outubro de 2007

Soneto Solo



Pra cada sopro que te toca o rosto mulher,
há um caminho que percorro só.
Não se faz o amor assim.

( ... e pronto, amor!)

Não.

Há que se doar o tempo,
há que se quebrar o medo
e amansar o peito.

Há que se entregar a carne,
relembrar a cor
e trabalhar o jeito.

E é assim que ao fim de tudo
poderemos andar o caminho inverso,
e descobrir que na verdade
éramos nós o amor de fato.


Poema conexo



Porque serão leves acordes perfumados,
quando caiam das folhas nascidas
os mais novos orvalhos.
Ali estarão nossos olhos risonhos.

E o passado será calmo como a chuva.
A chuva que vai e não deixa nada.

Às vezes, saudade.


14 de outubro de 2007

Profilaxia



Esse vento que venta em mim,
um dia vai ventar você.

E aí mulher,
vamos ter que esconder do frio,
cantar ciranda,
viajar e cuidar da pele;

pra ficarmos velhos simpáticos
naquelas fotografias amarelas.

Felicidade é isso.


Andarilho



O poema é a contradição, a queda,
o avesso do transposto.

Atravesso.

Mesmo sendo isto posto,
é simples e completo.
É largo.

Travessia.


Fio



Um, dois, três e fim!
Eis aí o verso azul e desencantado que querias ouvir.
Agora deita e veste o sopro que te sustenta.
Aponta os dedos para o céu, enquanto eu...

Eu mergulho na deselegância de desenhar estrelas,
escrever poemas
e rabiscar o verbo que te prendia aqui.

Chove.
Pode chover, que já estamos juntos.


Crise letrada



De que vale a verdade
do poema feito em série,
se o poema não contorna
a verdade que me fere.

Vale pouco, quase nada.
Tempo de retirada
no poema que gangorra
nessa linha superada.

Sendo letra sobre letra,
versa e não versa nada.
É de pequena valia
e verdade inacabada.

Mas ainda assim companheiro,
é poema,
é verdade,
é alma;

e nao é mais nada.


7 de outubro de 2007

Poema adicional pra falar um pouco mais de amor



Enquanto seja o que fere e dói e conforta.
Enquanto fale do que pulsa e é sentido e guardado,
como quem guarda cartas.
Seja puro e forte e frágil, e sustente o que vier;
e venha.

Seja o que for e assim será.
Será bom e melhor nos outonos de poucas palavras.
Muitos outonos.

Enquanto for...


Amor.


26 de setembro de 2007

Passo curto



Há que se fazer rir.
Fazer chorar,
fazer amor.

Há que se aparar a dor,
fazer de conta
e conservar a cor;

pra não mudar de calçada,
quando aparecer a flor.


26 de julho de 2007

Contrato



Eu rezo, você não vem.
Eu calo, você também.

Eu peço ao vento
que mais uma vez
me deixe cantar-te
o verso que fez.

E peço ao anjinho
que possa talvez
como o vento fez:
Me empresta um versinho?


Poesia construtiva



Sobe, puxa, bate, firma...

Aí está, meu verso emparedado.


25 de julho de 2007

O bobo e o rei



O rei tem casa
cavalo e castelo,
dragão com asa
e escudo belo;

O rei tem cama,
tem mesa e banquete.
Tem terra da plana,
espada e florete.

E eu nada tenho,
sou filho do não.
Mas inda carrego
bobo coração;

e antes do agora
(quando vou-me embora)
ele anda sorrindo,
quando não chora.


24 de julho de 2007

Justa paga (poeminho pra Guimarães)



Cedo que fosse, a estrela me viu,
com flores e letras do último abril.

Não eram compradas,
nem eram colhidas,
foram roubadas da fada primeira;

que em sono titã
descuidou-se da vida de dedos e fios
de outro amanhã.

E eram pra ti,
pra esta pequena-grande você
que perto de mim escuta
o riso alto e bagunceiro dos anjos: Alê!


Sabor Mulher



Senta e assenta aos olhos
o que se posta em frente a ti.

Corta-me a carne
com a palavra incontida;

o sal da língua
rega cantos e cantigas
no meu corpo que te espera.

Corre os dedos
pelos vales de costelas
que se encolhem sem saber;

Saiba que te sei assim.
Sal e costelas,
cantos e cantigas.

Amores,
amigas.


Alegria necessária



A mãos que correm os cabelos
são as mesmas mãos
que tocam a pele rubra e quente
da sua boca.

Essa carne
que me lança o cheiro e o gosto
da fruta colhida;

que me conspira contra o senso,
me derruba o chapeu da solidez.

E antes que eu possa crer,
toca e aperta pele e fruta e calor;

e lava com água clara
o cacho de não-ser
que eu trazia nos olhos:

só nos resta o riso da limpidez.


Pares



Ponta a ponta
passa a promessa
certa do valor maior.

Canto a canto
cabe a queda
do ponto comum.

Lado a lado
levo a leve
flor da tempestade.

Pouco a pouco
apanho acasos
na linha clara que tracei.

Frente a frente
afronto
o pranto gris;

que de quando em quando
me visita os olhos.


Nota triste



Antes era o pó:
saudade de ser junto,
agora que estou só.


23 de julho de 2007

Poema secreto pra quem o mereça



Quero a minha mão na sua,
seja em pele ou carne crua.

Quero o cheiro do seu cheiro,
me tocando o corpo todo.
Sangue e calor.

Quero a quarta dimensão
do amor que ainda resta;
e desenhar nos seus quadris
a verdade que conservo.

Quero te mostrar o céu,
e com a ponta do meu dedo
que segura o seu dedo
assustar a nuvem branca
que soprava o sereno.

Quero ter a ousadia
de na terça ou qualquer dia
me entregar de corpo inteiro,
de ponta-cabeça.

E mesmo que esqueça
ou não julgue que mereça,
sei que pode ainda assim;

Me deixar te colorir
com meus beijos cor-de-mim.


Poema nº. 2



Calma que também te quero.
Das noites que te dei vão brotar manhãs de pouco sol.
(Brisinha à toa)
A tinta que derramo mostra o fraco que sou;
Um fraco de letrinhas.
Mas que foi,
ao tempo que te lembras,
um fraco só seu.

Fraco, ao seu dispor: Amor


Escala



Dentre a pressa e a praga,
nasce a tenra carne.
Viva cor.
Mostra à terra os olhos de dura voz.
Olhos que fossem antes a aridez de um coração amante,
que a promessa de uma paixão porvir.


Carta Conceito



Quanto mais procura o contra-peito, mais se entope de esperança e dor.
A bobagem, o engano que chamaram coração, agora chamo chumbo, chamo nó;
carcaça porca e rude, mas que ainda ostenta o brilho de trazer em corpo e essência, a margem do acerto.
E assim, quem sabe nalgum dia dos milênios desastrados,
possa ele tropeçar em amores rasos.
Melhor assim


16 de julho de 2007

A Casinha



Vem amorzinho,
vamos morar na casa
(aquela mesma casinha).

E o que chamam tempo,
vamos chamar escola;

o que chamam flor,
vamos chamar presente;

o que chamam chuva,
vamos chamar baile;

o que chamam só,
vamos querer junto.

O que chamam eu,
vai ser sempre seu;

e o que for você
vai ser sempre minha,

ali mesmo naquela casinha.


Receita



Você me perguntará

- Amaste bastante?

E eu lhe direi:

- Eu li os poetas.


15 de julho de 2007

Conta de mais



Quero seis milhões de amores, como o rei e o poeta.
Para que sejam tantos e tão ternos que me consumam toda a alma.
Me roubem o gesto e o ar.
Quero que sejam grandes e puros amores-de-fato.
Amores de amor mesmo. Amores maciços.
Inquebráveis.
Quero que sejam assim, pra que durem pelos séculos dos séculos a provar aos que virão que houve um homem, nalgum lugar, nalgum outubro, que foi amado
(assim, de amor mesmo).


Explicativo avulso



Porque a tristeza traz à tona o intelecto e a verdade emocional - ou quando nada os empurra palco acima.

Enunciado amoroso



Reza a boca e afunda o entreaberto peito.
Palavra rouca de pouca valia.
Pouca palavra.

Versa o verbo avermelhado quarto adentro.
Espaço agudo de certezas.
Cobre o rosto a mão que outrora matava sonhos e sóis.

Encurtar a vida
é saber do amor como fino engano;
manobra verde clara do sorriso bobo.

Tempestade.


13 de julho de 2007

Eras



Sou o sol curvo do verão-surpresa,
a bruxa sacra das mãos em veias;
a prole primeira do rei do norte.
O osso roído ao centro da sala.

Sou a pele viva esticada no cortume,
abraço o orgulho do bom velho:
náufrago em agulhas e milagres.

Sou a voz da madeira,
a cor do sapo-cravo;
o mito do arcanjo.

Sou a beira


Gênesis amargo



Saudades do que não se sabe, do que não se conhece luz.
A falta séria e incisiva de um calor qualquer que vista a alma.
O olhar circunda os eixos suaves do sentimentalismo ifantil que goteja nos ombros.
E ainda que sinta o gosto do acaso, é ali que fará morada e templo.
Pouco antes estavam todos em ciranda com deuses e fadas de espelho


Período de zelo zero



A jaula é de osso e sangue e carne fresca.
Guarda, veda
(Pandora tênue dos tempos de agora).
Varrendo vales e com eles outros.
Pondo a tudo um fim;

Se liberto: começo reverso.
O contra-início a tudo engole.


12 de julho de 2007

Rimaporca (O cordel do desafio)



Quase-caso por acaso
passa razo,
lá no pé.

Quem não sabe do que falo,
vem cá ver o que que é.

Pois se ainda não o vir,
põe mais uma no cuité.

Creia pronto meu compadre,
que lhe digo como é:

pois não há nesse sertão ,
velho, menino ou mulher;

que quando cismo e digo "é",
me pirrace com "não é".

(Nem tinhoso para em pé.)


E tenho dito.


SAGA



Ato I

Me lanço ao mar, pesado de anseios,
buscas e medos.
Abro o peito às lanças e às pedras
(cavaleiro cru).
Me ponho em pé e pauta
a suportar a dor e o tempo.


Ato II

Mãos e olhos leves
no escuro puro do bolso fundo.
Carregos nós e sangue e imagens a tinta.
Ferro.
Fogo.

Estandarte.


Ato III

A armamdura era agora nudez da alma.
Empunhei a espada
que agora vejo caneta.

Rasgo, rabisco: ato fim


Nome



Quando nasceu não houve estrela,
presente, incenso.
Não houve glória ou música ou mirra - não era rei de nada.
Se pôs no mundo desgraçado.
Peleja.
Chora.
Toca tudo quanto há de feio e belo
e funde em letra.

O chamam poeta.


Cantiga do amor antigo



Enquanto haja forma e força há de chover migalhas,
porções de lembrança.
Que afogue em ternura de amores passados!
Amores de dez, vinte, trinta anos,
não importa...
Um amor passado
é sempre um grande amor

(Alicerce do homem de depois.)


3 de julho de 2007

Flecha



Passe!

Tudo quanto for batom e perfume, e calor e suor.

Que nada reste, nada sobreviva em matéria ou luz ante a potência do Amor Novo.


E assim se fez e refez o peito rasgado.



Cântico fraco



A flor é a forca e a faca.
Pranto puro e curto, qual cheiro de mar:
se acostuma fácil.
A foto entre os dedos é o gatilho da saudade,
da vontade de viver raiz
e morrer homem.

(A faca é a forca da flor)


22 de junho de 2007

Nova



Louve-se o lixo contemporâneo!
Tanto tempo (grilhões de mel).
Fecha-se o peito frente a forma atroz da planta fria.
Um minuto basta: é verão.


26 de maio de 2007

Pra viagem



Nosso amor é uma canção de bolso.
E você conta os postes com o dedo
- me faz rir e amar mais.
É simples e bonito.
Como se fosse um poeminha miúdo.


Escritura



Eis a palavra venenosa: Bem posto foi o que desarmado e fraco, pôde dobrar a moldura férrea da criação, e cavar no peito fundo de quem houver, tudo quanto for verdade e pavor.
Sendo então o prefácio dos cinco infernos, hei de enfrentá-lo com escudos e espadas de silêncio, enquanto a tarde se derrama em passarinhos.


Poema pra pai ser mais feliz



Sei que é nesse azul todo certo que paira suave a fortaleza,
a substância.
Seja neste inverno ou no porvir,
vai ser aí que vou me olhar - por entre a fresta clara e sóbria.
Prumo, rumo, pai.
Norte.


Alfaiataria



Não se pode combinar versos. Não são como o sapato e o cinto.
Cabe ao poeta apenas cuspí-los em preto e branco, para que vivam no degradê e morram verdes.
Eles são de todos e qualquer um, menos do poeta.


Ginásio



Já reparou na cômica simplicidade plana das coisas?
Nos atravessam infinitas essências, sem as quais sequer existiríamos.
Por isso afirmo: somos geométricos.
(E ponto!)


Raso



Antes que me atires esse vaso, recorda como foi nosso ontem - todos eles.
Procura no peito e nos botões da sua blusa branca, ou onde possa ter sobrado rastro dos meus labios (carne viciada no seu nome).
Põe à frente dos olhos o sabor magro das noites de sal e perfume.
Ou se quiser, esqueça.
Pouca coisa ainda vale, antes que me atires esse vaso.


24 de maio de 2007

Eterno: poema que se foi



Agora não posso mais segurar tuas mãos,
nem mesmo nos ombros carregar.
Terás que pisar o barro,
e na densa matéria soprar teus passos com leveza.
E quando olhares para o alto
buscando a verdade brincalhona,
lembra-te que é do barro que agora pisas que nascem as flores.
Flores que outrora, do alto dos meus ombros, tu colhias à tardinha
- quando eu ainda era pai, filho e poeta.
Agora sou apenas barro.


Barganha



Esgotei meu suor e minhas lágrimas.
Só me resta mesmo o sangue,
e esse não entrego.
Não pelo fio fino e desbotado naquela ultima prateleira,
que você (pálida, obsoleta)
insiste em chamar
O Nosso Amor.


Caco



É tanto cinza que nada escapa aos olhos de contraste - cinza muito branco.
Muitas coisas cruzam a linha da média consciência e eu, calmo e num quase-sorriso tímido, tento agrupá-las em um pacote de mínimo nexo. Vão.
É coisa de cabeça, de cansaço. Ou mesmo da alma quebrada em dois pedaços: nunca ao meio.
A gente sempre fica com a menor parte.


23 de maio de 2007

Nós



Eu alguém, você qualquer.
Eu tô indo, você vier.
Eu queria, você quiser.
Eu me posso, você puder.
Eu após, você até.
Eu chorando, você sequer.
Eu sou todo, você não é.
Eu menino: você mulher.


Caos



Céu limpo, vento suave - cheiro de amaciente, crianças sorrindo, ciranda, velhinhos simpáticos jogando migalhas aos pombos.
O que é meu amigo?
Provavelmente o Juízo Final desfarçado de domingo.


Acontecido



Ela se levantou,
limpou os joelhos
e as mãos muito brancas e pequenas.
Ajeitou com zelo e vaidade
o vestidinho verde claro.
E sem largar sequer
uma gota de sal e água
voou alto e explodiu!
Numa supernova de mini-sorrisos.


Down: de outros dias



Que toda a saudade despenque morro abaixo. (Queda surda, seca.)
E nascerá aos seus pés o lírio rasgado e calmo, que irá vomitar canções e sonetos de pura lembrança.
Lembrança de um dia bonito, que fosse antes um simples dia que todo um outono.


Crônica aguda



E mesmo que não nos passe pela cabeça, ou sequer cruze nossas visões - sentimentos, sopros ou vazios, um dia todos descobriremos que a avassaladora e crescente intensidade do fluxo da vida, é apenas um catalisador do fim.


12 de maio de 2007

Contínuo



Poesia é traço,
é pedra,
fruto e compasso.
Fração de passo.
Chão e capacho,
melado no tacho.
Réstia de rima: assim eu acho.


Ato hipótese



Agora que já entreguei minhas armas, quero saber porque me nagaste a flor do desacerto, enquanto penteavas os cabelos revoltos, na espera da paz incômoda que o sol de ontem te prometeu.
Cumpre seu desfecho. Veste o que quiser (mas que gangorre entre o divino e o apático).
E ao te ver trêmula e nua, eu saberei que o nexo da forma, vermelho, era no fim o espelho vazado de minha menor alma - que foi sempre sua.
Ou apenas mais um conto, uma fábula curta.


Presságio



Os verdadeiros homens são aqueles que ensinam a seus filhos que o amor é saber, pelo brilho dos olhos de uma mulher, se ela quer baunilha ou chocolate.


11 de maio de 2007

Dimensões

Fitei os olhos de um homem velho.
Era uma tarde qualquer nesses últimos invernos.
O homem andava roto, sujo. Nos cabelos algumas folhas do vento último, poucos afagos.
Muitas memórias.
A barba já cinza de derrotas. Sob seus olhos pendiam rugas: pareciam gritar o enredo preto que aos tornozelos se lhe arrastava.
Os mesmos olhos que fitei.
E como ignorassem todo o redor de hades e barro, aqueles olhos insistiam num azul arrogante, azul impossível que arrancava água dos meus.
E foi assim que, numa tarde qualquer nesses últimos invernos, um homem velho e sujo, de dentro dos olhos azuis, austeros, me chamou de filho.

Espelho



Acorda amor.
Vem ver aqui da janela quantas vidas
passam rápidas pelas ruas.
Vidas de vácuo, de peito fosco.
Te esquenta.
Te cala.
Me abraça que já já a gente desce.
E aí meu bem,
aí seremos nós a passar pelas janelas deles.
Vácuo, fosco, rápido:
Nós.


9 de maio de 2007

Verbete

Saudade
Método eficaz de se manter em sofrimento pela alegria de recordar o que o tempo comeu.

Sinceridade
Extrair do choro alheio o que vai chamar, dois ou três dias depois, de consciência limpa.

Medo
Ferramenta de encolher o peito.

Felicidade
Negocinho miúdo que debaixo do nariz da gente.

Deus
Garry Kasparov de vestido branco.

Mulher
Garry Kasparov de vestido branco no meio de uma crise de identidade.

Crianças
Alcoólatras, advogados, assassinos, padres... o futuro potencialmente injetado em bolinhas fofinhas de carne, que ao sorrirem nos fazem pessoas melhores.

Sorriso
A alma no canto da boca.

Mentira
É a entrada de serviço. Funcionar funciona, mas geralmente é apertada, desconfortável, e pega mal.

Amor
Sei não.

De composição

Ele fez verso, fez prosa, causou boa impressão, morreu. Morreu como morre todo animal: fixou o olhar, teve sono e frio.
Confirmou a seqüência irônica e pavorosa da existência. Chegou ao fim. Morreu porque versou,
por que viveu. A carne dos poetas é dura;
e assim talvez se livrasse dos vermes e sozinho apodrecesse.
Ainda versa, versos agora podres como ele poeta.
Poeta podre, poeta verme.
Poeta sozinho.

8 de maio de 2007

Partidário dos Sem-Nexo

O semi-separatismo sentimental é apenas o começo da libertação da consciência ante o passado, embora não seja evidente uma relação estreita entre isso e a imensa saudade que às vezes sinto, de uma visão clara e limpa do que possivelmente (nos próximos seis calados minutos) eu chamaria amor.

Proporções

A solidão se mede em doses. Ou talvez sejam só grandezas inversamente proporcionais.

Gambiarra

E da miséria plena e pura ele tirou algumas asas e peças velhas e já meio tortas. Pedaços de anjos antigos, olhos ainda crus e algumas velas, brancas e vermelhas. Com pregos frios ele juntou tudo e fez a sua própria aurora. Mas veio a chuva fina, esposa do verão porvir, e lavou-lhe as mãos de pele grossa, e lhe mostrou que do que fizera, restaram apenas algumas poucas e miúdas gotinhas de saudade branca.

Bazar

Vendo um baú de antigos amores, onde guardo também algumas saudades, sorrisos, gargalhadas. Tem também algumas piadas sem graça, duas luas, um barulhinho de mar e o tom laranja que sempre gostei nas tardes – posso por um ou dois poemas leves. Certamente nele está o meu Calcanhar de Aquiles, meu músculo passional, meu trunfo falho em preto e branco, como um longa do cinema mudo: coração mudo. E vai de brinde.

O apanhador no campo de centeio

Talvez o uísque tenha sido o pilar da poesia construtiva. Analogicamente, como o livro que foi o gatilho de Lennon.

Espectros de um não-eu

Mais uma vez eu afronto o começo da noite
com meus olhos de escudo e minhas mãos
trêmulas, desbotadas. Mãos de ontem. Apoio minhas faces num muro baixo, escondido no lodo. Passado. Antigo, velho, boca de outras eras; eras de não-vir.
Dobras e poeira que me atravessam a porta e o peito.
Outra vez me procurei no calor do copo. Larguei.
Ergui o que pareceu leve
e os pesos, esses eu apenas arrasto,
na falta de opção melhor.

2 de maio de 2007

Poema pretensioso pra ser lido (da segunda vez) ao solo de sax

Aqui da sala dá pra ouvir você respirar uma melodia.
Assovio claro, de quem tem preguiça.
De quem ainda se esconde no lençol – batom no ombro esquerdo.
Sorriso flagrado... Fica. Te trago um café, um cigarro.
E a gente começa um outro filme
em branco e preto: hoje não vai fazer calor.
Céu cinza, jazz, sexo e fim de poema.

Segredo

Já reparou como, quando lemos, as letras parecem sempre quietas e inertes. Os livros também nos lêem. Mas eles não sabem que sabemos.

Retrô(cesso)

Catei no tempo cada passo, cada bandeira. Tive o cuidado de escolher todos os amores e espalhei por todos os ventos o quanto pesava o meu peito. Pus no bolso o sangue que escorreu das mãos do sol, antes que te acordasse. Antes que a poeira das coisas que não fizemos nos sufocasse, nos trouxesse a marca da vergonha branca, que eu gosto de sentir do seu lado. O amor cheira à laranja nas tardes meio frias. E se a gente teimar em não ouvir as pedras, pode ser que quando chegar a noite, calada e cega, sejamos apenas estranhos.Como éramos ainda ontem.

30 de abril de 2007

Cautela dialético-portátil

O pensamento que nos falta a muitos e que teoricamente poderia nos tornar a vida melhor, é aquele que suscita que o que estamos prestes a fazer pode não ser uma boa idéia.
A importância desse pensamento está no fato de ser ele, quando ausente, o justificador e causa da oração que imediatamente sobrevirá, e que nos permite negar a inércia e crescer; qual seja: Foda-se!

Bem lembrado

A diferença entre o poeta e o bardo de cabaré? Realmente não sei. Não sou poeta.

Encontro

Pela manhã, ainda enrolado na toalha, ele fazia a barba e, num momento único e semi-eterno, fitou seus próprios olhos no espelho, em meio à espuma cor de neve. E se vendo ele notou que não era feio como pensava, e que talvez fosse um homem bom, e que seus medos eram menores no espelho e os cabelos menos brancos. Ele lembrou como sorrir e foi um pouco feliz.
Na manhã seguinte se barbeou de novo.

29 de abril de 2007

"Post-it!" post mortem

“Quero as canções dramáticas. Quero os momentos de tristeza e saudade que caem das tardes meio-vermelhas, das noites sem sono, sem dona, sem fim. Eu abraço as cores mortas e gosto dos poemas abertos, rasgados, sujos, porque mostram o contrapé cru das essências. Mas não fico sem os bem piegas de amor eterno, com musas e métricas, sonetos de paixão boba de trovadores anacrônicos: os infantis mesmo. Eu quero chorar um pouco mais. Ou quem sabe chorar menos mas chorar junto. Aparto tudo que me escorre do peito e que fosse, em outro tempo, partes lustradas de um outro colo de mulher. Lembro dela e delas, como se tudo houvesse caído na aba do meu chapéu. Ainda assim lembro dos cabelos curtos. Ou longos... Olhos de qualquer cor, e o sorrisinho no canto molhado da boca.”
Apenas apontamentos mentais de uma outra vida. Notas a tinta num bilhetinho borrado, esquecido no bolso esquerdo do meu paletó curto e gris, da última vez em que morri.

Pirraça da beleza rala

Hoje não quero escrever. Só escrevo se for pra falar de coisas alegres, coisas que cheiram a sábado de manhãzinha. Só se for pra falar de como eu e o pai fazíamos nossas próprias pipas, e como elas nunca voavam: a gente gostava mesmo era do sorvete no final. Só escrevo se puder lembrar das horas de estrada pra chegar na roça. De como o café cheirava a casa toda de manhã, e havia orvalho em tudo que era folhinha; e como escorria felicidade de tudo. Não vou pôr linha alguma, se não for pra dizer das tarde laranjo-vermelhas fotográficas, ou das manhãs frias em que o ar ainda gela o peito e a ponta do nariz da gente; de como é bom acordar antes do relógio pra dormir mais um pouquinho, de como o olhar daquela mulher é sempre mais brilhante e lisérgico que os olhares das outras que não amamos. Ainda. Se não for assim não vou. Porque hoje... Hoje não quero escrever.

Megalomania de filho

Aqui, como em quase toda casa, mora um super-herói. Ele já fez todas as maiores façanhas de todos os desenhos e quadrinhos que eu conheço. Já prendeu muitos vilões da cara fechada e salvou o mundo do domínio intergaláctico; já evitou terremotos e catástrofes enormes e ainda por cima, sem tirar os óculos, já salvou milhares de mocinhas indefesas das garras de todos os dragões e malfeitores. Ver, eu não vi não.Mas eu estava lá quando ele chorou, e espero que na minha vez de ser o herói, meu filho esteja lá quando eu chorar.

27 de abril de 2007

Se é assim...

Todo dia tem alguma linha um pouco cinza, nem que seja por cinco segundos. Um pesinho de não-sei-o-que que, quase sempre no meio da tarde, espreguiça na alma, folgado, tranqüilo. E é assim que o ar quente da tarde, devagarzinho enche o peito da gente e traz um certo sorriso. Sorriso puro mesmo, sem nuance, sem meio termo, sem amarelo. Um sorriso de canto de boca, sorriso de quem não está, sorriso criança. Claro que todos esses sorrisos não poderiam caber no espírito do homem.O espírito só leva mesmo os que quer, o resto é por nossa conta.E eles, os sorrisos, vão ficar assim mesmo, andando dentro da tarde. E foram e serão tantos e tão diferentes uns dos outros, que até farão com que a tarde pareça um pouquinho triste, farta desses sorrisos inconvenientes e espaçosos que não tomam jeito.

Poeminho do sempre-perdão

Você pode acabar comigo.
Pode cuspir pedras na palma da minha mão.
Faz o que você quiser,
mas depois não venha me pedir pra te ofender,
pra te virar o rosto. Não faço um esforço sequer pra te odiar,
nem vou encher a sua nuca de palavras e planetas. Vai ficar sozinha sim,
e levando na mochila jeans todas as toneladas
que nós colhemos na última garoa.
Vai seguir a vida assim, longe,
e o seu castigo vai ser sentir na espinha o começo de julho.
O mesmo julho em que a gente
catava letras e esquentava os pés no cobertor marrom.
Mas quando você quiser,
pode vir passear
no seu canteiro de borboletas que eu, sorrindo,
rego todas as noites.

26 de abril de 2007

Estagnasapiens

Quero mais é que pegue fogo todo esse senso estético besta e virgem.
Tem que haver alguma outa noção que preste mais que isso. Até os macacos tem um referencial e conceito mais rebuscados: será no mínimo engraçado que precisemos de mais dois polegares opositores pra dar um jeito nessa pobreza estrutural do espírito - e ajdascências.

Síntese

Andar pela rua é facil, quero ver é enfrentar o mar cinza-claro. Não há beleza nenhuma em se conquistar todo um mundo de coisas a conquistar; de interrogações disfarçadas, fantasiadas: as flores é que são pesadas. E eu lá sei alguma coisa de flores? Passei todo um quase-quarto de vida mirando o que não me coube na linha do nariz. Faltou tempo pra saber do que elas são feitas, mas pela textura acho que é chumbo. Tem também o céu de junho daquelas fotografias velhas. Ainda penso em, depois de escrver um ensaio sobre as coisas que ainda não sei, conhecer melhor essas pequenas fábricas de leveza, que não ficam desbotadas com o virar da ampulheta. Ainda dá tempo. Vai ser a conta de fazer isso e ouvir um solo de sax e pronto: Vivi!

Pobre Diabo

Desde os tempos mais remotos, obscuros, caóticos e revoltos (ou qualquer outro adjetivo que defina o contexto do Antigo Testamento de forma mais fiel), o homem teme a figura do diabo. Teme porque sabe, ou sente, ainda que apenas como sopro metafísico, da incógnita revestida de mal que é a figura temida. O que não sabe é que o diabo não existe. Não fora do próprio homem. Todo ser traz consigo um quê de diabo, de tinhoso, nem que ínfimo, miúdo, escondido debaixo do degrau mais baixo do porão da alma. Enfim, não ouso aqui discorrer acerca desses assunrtos transcendentais e vagos que, pelo menos a priori, não me tornarão um cara melhor. Fato é que o próprio diabo já deve estar farto de toda essa perseguição desmesurada e frenetismo que, diga-se de passagem, já experimenta há um tempo considerável. Toda essa tietagem. E digo mais: E se o caboclo cisma de virar anjo de novo? Aí Deus tá perdido... O cosmo só funciona com equilíbrio meu povo. Por isso (e que aqui não me tomem por neo-malthusiano, micro-facista de gabinete ou qualquer coisa do tipo) é realmente necessário que o gestor lá de baixo também possa fazer o seu trabalho. Deixemos as coisas do "lado-de-lá" como estão. Essa concorrência bipolar extra-dimensional de captação e armazenamento de matéria espiritual, não é de hoje mesmo. E além do mais, ouvi dizer que sempre funcionou muito bem, afora algumas divergências de layout e recrutamento de RH é claro.

25 de abril de 2007

Micro-consideração interdisciplinar

Amar é um verbo que não "transita". Tudo o que é intransitivo, inflexionável, pende ao defeito de essência e mais cedo ou mais tarde trinca...
Guardadas é claro as devidas ressalvas gramaticais e termo-físicas.

Duas frases "a la carte".

Foda-se a peculiaridade alheia. A relativização de conceitos e valores nunca relativiza mais que as próprias frustrações verdes e bolorentas dos que, pretensiosamente, se dizem relativamente peculiares. Foda-se também o nexo e o compromisso morfossintático, ético-textual e didático: hoje minha palavra não vale nada!

Semi-conspiração amorosa.

Sei não. Pode parecer que uma certa leveza conspiratória esteja permeando essas linhas, mas não posso me furtar a derramar questionamentos e inconformismo com o regime vigente. É manifesto meu desacordo. Incentivo de maneira veemente a quebra, o rompimento, o golpe. É realmente necesário que haja libertação desse regime estanque. Que ele entorte e caia! Não acho que devamos engolir assim tão fácil essa ditadura do coração, que não nos deixa caminhar pro outro lado. Vamos fazer política emocional de esquerda, afinal, queremos a liberdade de não amar ninguém, e amar a todos, como e quando quisermos; não a mando desse músculo totalitário e tirano, que não nos conhece e teima em ser genioso. Viva a liberdade! Abaixo o despotismo romântico!

24 de abril de 2007

Versinho avulso de credibilidade duvidosa e quase nenhum gabarito.

Uma noite eu sonhei
Com uma abelha no curral
Falei com a mãe e ela disse:
"Abelha num dá leite menino animal!"

Era outra vez...

Não que não me importe com o que eventualmente pensem a respeito do que fui e fiz, enquanto a luz me transpassou os olhos. Ou que não me toquem o coração as canções e suspiros de honra e glória dos grandes e bravos que, ao contrário do covarde que fui, cruzaram mares, ergueram estandartes, avermelharam espadas e amaram suas mulheres, ainda que ao queimar do sol seguinte não fossem mais suas. Eu, como covarde que fui, não me meti a guerras e glórias. Não busquei tesouros e coroas, ou fui senhor de terras e cavalos e homens. Nem mesmo sei se fui senhor meu próprio. Não assentei em meu nome, ou de minha família, legados de orgulho e encanto, e nem os mais roucos e febris bardos hão de entoar baladas para o alimentar de minha memória. De fato eu não amei tantas e tão belas mulheres, que suas doçuras consigam ecoar em meus ossos pelos séculos dos séculos, perfumando-me o sangue. Não matei dragões, nem mesmo os de uma só cabeça, não salvei princesas ou enfrentei quimeras. Não, eu não pude ser o herói das glórias e coroas, das riquezas e das terras e cavalos e homens e mulheres. Mas posso, com a franqueza e firmeza das quais nunca nenhum herói dispôs, dizer sem temor ou receio que, mesmo que todos eles se reúnam em escudos e armas e guerras, sobre seus cavalos já cansados do peso da honra, ainda assim, jamais poderão ser o covarde que fui. Porque vidas torpes e cegas a alimentar batalhas e glórias e canções de vitória que a outros satisfaçam, não passarão jamais de vidas torpes e cegas que são. Apenas vidas com fome de si. Vidas ávidas e ressecadas, plenas de vazio. Ao passo que eu, em toda gota de vida que me coube, prestei-me em minha covardia não a emocionar olhos alheios que dela nada aproveitam, mas a retirar do espírito qualquer sopro de fortaleza e beleza, para que assim pudesse ser a despeito de tudo o que rezam os contos de fadas, o maior e melhor covarde possível. O covarde de esconderijos e negações, de desonras e vergonhas, o verdadeiro contraponto dos mais puros valores de todos os reinos muito, muito distantes. Mas ainda assim, nenhum herói, de glórias e mulheres foi; é; será, o covarde que fui.

Quixotesco

Dirão do homem, num tempo em que livros e carnavais não mais reflitam a expressão da alma, que foi um animal que rondava planícies devorando carne e essência de outros comuns, e que dele nada resta, senão ossos e talvez memória. Sim, serão outros diferentes de nós que o dirão. Não homens, ou mulheres ou velhos. Não. Os que dirão serão aqueles que, após a queda do bicho sapiens, tomaram as rédeas da Esfera Azul. Mesmo do que não era matéria. E dirão mais... O novo bicho, a despeito do que pensavam os pequenos homens, se imporá e reinará sobre tudo que respira ou tenta, e sobre as pedras e pó, igrejas e açudes e sertões e mares de qualquer coisa, já que pra ser mar não precisa ser água, e pra ser rei não precisa ser olhos e carne e pele e espada. Talvez se a esse tempo houver sorte e houver homem que sobre suas pernas se agüente, possam conter tamanha fúria. Só assim, haverá amanhã. Será preciso que aquele que se diz capaz, se o houver, se atenha ao por do sol. Não um, mas dois ou três e, com o coração no bolso e a alma na mão, se faça nobre, se faça cavaleiro sem temor, pois nesse tempo não haverá exército ou criança que não se ajoelhe ante os enormes déspotas novos: os moinhos de vento. E eles sem dúvida, maquiavelicamente, apagarão as luzes.

22 de abril de 2007

Deixa vir o dèja vu

Em alguns momentos, me surpreendo questionando a veracidade do próprio momento, ou mesmo, do que fora imediatamente anterior a ele experimentado. Como se cheiro e som e luz e até o tato não fossem suficientes provas do real. São, mas perdem a inexorabilidade, a credibilidade que por natureza lhes falta, mas que somos forçados – ou assim preferimos – a atribuir-lhes, para fazer uma melhor leitura do mundo. Leitura de viseira, tolhida, mas ainda assim leitura Não que esse fenomenozinho cotidiano meta medo ou incômodo, mas pelo que noto, tem se tornado sistematicamente um lapso de tempo considerável, o que me propõe forçosamente outra dúvida acerca da continuidade linear dos acontecimentos perceptíveis. Começo a desconfiar que o tempo é uma valoração carente de referencial, solta, que transcorre não em uma via apenas, mas de forma circular, como que preso à ponta de um barbante nas mãos de uma criança que, fatalmente, irá gira-lo. A idéia de one way out por onde supostamente o tempo escorreria, já não cabe quieta como antes. Já não desce mais. Pode ser que incorra em asneiras cavalares aos olhos daqueles que detêm o real saber das coisas e dos homens, mas não acredito que a bolota cinzenta (que nem é tão cinzenta assim) pensante nossa, seja capaz de arquivar elementos tão diversos e ínfimos, que mesmo aos olhos de um anjo passariam despercebidos, para depois, sorrateiramente jogá-los na nossa frente, figurativamente, pelo curto prazer de nos ver atônitos. Não nos trairíamos assim. Portanto só nos restaria a hipótese de que o tempo, vetor torto de tudo que conhecemos de bombordo a estibordo, realmente está com o rabo preso entre os próprios dentes. E você me perguntará: Porque então, já que o tempo corre em círculos, nós envelhecemos? Morremos? Ora, não sejamos inocentes. A carcaça faz muito pouco do que chamamos homem. E aos céticos e empiristas, digo-lhes que entreguem o barbante a um velho e vejam o que fará (obviamente depois de esboçar em meios às rugas, um sorriso de coloração incontestavelmente infantil). Fatalmente.

Explanação, esmiuçamento e inteligibilidade

Caros amigos, inimigos, amores, desafetos, parceiros, fiéis escudeiros e quaisquer outros que se enquadrem no gênero leitores: apresento-lhes a USINA. Serei, no que for possível, claro e sintético – talvez menos claro que sintético – no intento de dizer que a USINA – Projeto Paralelo consiste em um espaço discursivo-virtual reservado à exposição, discussão, debate, especulação e afins, acerca de qualquer tema, idéia, pressuposto, teoria, teorema, axioma, insight, dogma, doutrina, especiarias mentais, abstrações cognitivas, manifestações do córtex cerebral (humano ou não), expressões sofismáticas e congêneres que possam, porventura, manifestar existência por esse mundo de meu Deus afora e venham, eventualmente a tocar, tangenciar, rondar, afagar, perturbar, afrontar, e mesmo aterrorizar a humilde, ínfima e muitas vezes contra-consensual mini-mente dessa pessoa que vos escreve. Ainda que invoque alguma densidade e seriedade e as procure no intelecto, no anseio de conceber linhas com algum nexo e realidade (ainda que crua e despida de brilhos e açúcares), não afasto o humor. Mesmo que o fizesse, seria vã ação. O humor impera. É ele quem concebe e desconcebe, imputando ao que é racional e razoável algumas gotas de loucura, através das quais o homem pode produzir um juízo sobre a pseudo-realidade que o cerca sem que se lhe recaia a Maldição das Coisas Tediosas Muito Sérias. Aqui esparramarei algumas palavras por algum tempo, dividirei algumas idéias, alguns sorrisos e imagens mentais (ou visuais, afora o pleonasmo aparente), algumas poesias, bem como algumas lágrimas. E que sejam poucas essas últimas, não porque carregam o peso de algo maior e limpo de mundo, mas simplesmente por estarem no segundo estado da matéria, o que dificulta que as guardemos para que mais tarde, quando chegar a doçura da velhice, possamos comê-las e chorar de novo. E quem sabe na próxima réstia de sol, haverá luz para que sejamos mais uma vez crianças. E assim fiquemos... ERRATA: Talvez menos sintético também.