17 de dezembro de 2010

Pândego breu



Todos os sonhos nas ruas,
e os bêbados, putas, comuas.

E a minha cabeça nas ruas,
e os planos e postes e gruas.

E o quebra-cabeça das ruas,
e a fonte, e a morte, e as duas.

E o meu desengano nas ruas,
e a fome, e as luas.

E o mar de fumaça e asfalto,
e a carne, é nua.

E na leve desgraça das ruas,
jejuas, jejuas,

porque a doce carcaça dos porcos
dói menos que a sua.


Sátira póstuma



Pela pele tímida
varre o vento ártico,
cai o canto cítrico,
voa o véu apático.

Pende para o gótico,
pede pelo sádico,
roga em riso súbito
teu manto despótico.

Reza o rito bíblico,
bebe o berço báltico.
Goza o gosto cáustico
desse amor empírico.

Canta o canto lúdico,
Sente o sono láudano.
Vela o vinho pútrido,
reles e roto súdito,
deus, dragão, impávido.


Decúbito dorsal



Todo tempo cabe nesse quarto.
E tanta coisa cabe em minha alma
seca, envelhecida no tonel da calma,
servida crua no banquete farto.

Que minha alma seja então o parto,
ou seja a faca que atravessa o ventre, cega,
por cuja força o músculo entrega
o que se espera de uma alma prenhe.

E dentre tantas, minha alma fora
daquele corpo lúgubre, refarto,
ambiciando descansar agora
que todo tempo cabe nesse quarto.


9 de dezembro de 2010

Céu de dezembro



Quando a chuva traz o cheiro dela,
já não há mais tato.
É tudo olfato e saudade.
É tudo um tanto de vontade
escorrendo das mãos
que já não têm mais tato.
Porque é tudo olfato e saudade,
quando a chuva traz o cheiro dela.


Quarto andar



Do alto vejo o caminhar dos velhos.
Calmos a carregar os anos.
Mirando as esquinas, colhendo memórias.
E o sorriso fraterno que estampam na face
consome a loucura dos dias de sol.
Sejamos como velhos vistos do alto.
Sejamos, apenas.